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Falta de transparência dificulta monitoramento da pandemia em povos indígenas


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O cacique Raoni Metuktire em frente ao Congresso Nacional%2C em Brasília%2C
Foto: Laycer Tomaz / Câmara dos Deputados

O cacique Raoni Metuktire em frente ao Congresso Nacional, em Brasília,

Um estudo conduzido pela ONG Open Knowledge Brasil (OKBR) e divulgado pela Agência Bori nesta terça-feira alerta para um apagão nas estatísticas da Covid-19 entre povos indígenas no Brasil. Apenas 15% das capitais e 57% dos estados brasileiros divulgam dados da doença estratificados por etnias indígenas, prejudicando o monitoramento do novo coronavírus nestas populações.

O levantamento indicou, ainda, que um a cada quatro casos de Covid-19 e de Sindrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) não são identificados por raça ou cor, um requisito obrigatório desde 2017.

Para a diretora-executiva da OKBR, Fernanda Campagnucci, houve demora na melhora dos recortes qualitativos passados quase sete meses desde a chegada da Covid-19 ao país.

— Esse relatório mostra que o governo demorou mutio a agir quanto a qualidade dos dados. No caso dos povos indígenas e, mais amplamente a questão da raça/cor, esses dados ajudariam o governo a entender a extensão do impacto nessas populações mais vulneráveis — afirma Campagnucci. — Essa é uma política pública que já tínhamos avançados no Brasil por meio de uma portaria de 2017 definindo campos de preenchimento obrigatórios. O sistema do coronavírus não trazia esse item obrigatório.

Além de acompanhar a transparência dos sistemas estaduais, o estudo olhou para as bases e-SUS Notifica (casos leves de Covid-19) e o Sivep-Gripe (casos graves e SRAG). O último sequer disponibiliza a especificação de raça/cor e etnia, dificultando o cruzamento de dados entre as duas plataformas. Mesmo a notificação de SRAG encontra problemas, uma vez que 25% delas não indica as mesmas informações obrigatórias.

— Acreditamos que depois de seis meses ainda é inadmissível ter um quarto sem preenchimento. É o tipo de dado que você não vai recuperar depois, não será possível preencher um dado perdido — lamenta a diretora-executiva da OKBR. — É um caso muito emblemático de como os dados podem salvar vidas. Por que povos indígenas estão organizando o próprio monitoramento? Eles estão querendo entender exatamente como suas populações estão sendo afetadas. O dado é imprescindível. Da mesma forma que a sociedade precisa dessas informações, o governo precisa dekas para fazer gestão. Questionamos se o governo está cumprindo seu papel de protegê-los.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), por exemplo, calcula que 158 povos já foram atingidos pelo novo coronavírus. A entidade contabiliza 32.818 contágios e 821 mortes pela Covid-19.

Para Tiago Moreira, pesquisador do Programa de Monitoramento de Áreas Protegidas do Instituto Socioambiental, que não participou do estudo da OKBR, o problema na falta de transparência nos dados da saúde indígena são crônicos, mas se agravaram na pandemia.

— Os dados da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) não são inseridos dentro de uma plataforma comum como o Datasus. Dados sobre comorbidades, por exemplo, são muito difíceis de serem conseguidos. Muitas vezes são obtidos por lei de acesso à informação, mas mesmo quando são divulgados revelam certa precariedade — explica Moreira. — Com a Covid-19, vimos uma falta de transparência ainda maior. A transparência pública é fundamental, fortalece a democracia, a capacidade da sociedade civil de agir, e indica se o governo tem informações para responder com a velocidade necessária que a pandemia demanda.

Inconsistência

Ainda de acordo com o levantamento da OKBR, os índices de transparência quanto ao item raça/cor é ligeiramente melhor do que o detalhamento por etnia indígena, mas ainda deixa a desejar: 82% dos estados informam estes dados, mas apenas 44% das capitas o fazem. Os números são piores na Amazônia Legal, onde estão concentrados 62% das vítimas fatais identificadas como indígenas — 78% nos estados e 44% nas capitais da região.

Outro dado que chamou atenção da ONG é a disparidade entre números da Sesai, atrelada ao Ministério da Saúde, e a própria base do Sivep-Gripe. A secretaria contabiliza 426 mortes por Covid-19, enquanto a base de SRAG indica 529 mortes em todo o país, espalhadas por 183 municípios. A diferença se justifica pelos ccriterios do órgão da Saúde, que leva em conta apenas notificações de indígenas que vivem em terras homologadas, pontua Campagnucci:

— Outro problema identificado no levantamento é o desenho de política de atendimento às terras indígenas só se voltar para terras homologadas. Muitos deles estão em contexto urbano. Nesse caso, o atendimento da Sesai já não olha para essa população, e até mesmo terras que não são homologadas ficam de fora. Existe uma falta de diálogo de órgãos dentro do próprio governo.

Para Moreira, a diferenciação não faz sentido.

— Muitos indígenas vivem na cidade e também na terra indígena, e circulam em uma rede multilocal. São redes de solidariedade, onde as pessoas acionam a saúde para ter um serviço médico na cidade, estudar em uma escola, universidade, ter um amparo para receber os benefícios sociais para comprar itens necessários. (A dissociação dos dados) É uma oposição entre aldeia e cidade que não faz o menor sentido prático. E, em uma pandemia, você perde o controle da doença por achar que o vírus não chegou na aldeia, enquanto as pessoas estão circulando nessa rede — afirma o pesquisador do ISA. — Além disso, as populações que estão em terras não homologadas são as que estão em situação de maior vulnerabilidade. São território em conflito com invasores, e a questão de violência também é um problema de saúde pública.

Fonte: IG SAÚDE


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