Categorias

Regras para correção de questões subjetivas em concursos públicos

No exercício das funções estatais, a administração pública goza de diversos poderes e prerrogativas que garantem a busca do interesse público em um patamar de supremacia em face dos interesses privados. Tais poderes se materializam por meio de atos administrativos, que podem, conforme ao grau de liberdade, serem vinculados ou discricionários.
Ao estudar o regime jurídico-administrativo a que se submete o poder público, verifica-se que os dois aspectos fundamentais que o caracterizam são resumidos nos vocábulos “prerrogativas” e “sujeições”. As prerrogativas são privilégios concedidos à administração para oferecer-lhe meios, a fim de assegurar o exercício de suas atividades, enquanto as sujeições representam limites opostos à atuação administrativa em benefício dos direitos dos cidadãos. Tais pilares definem todo o colorido da atividade administrativa no Brasil nos dias de hoje.
Considera-se o ato administrativo como uma manifestação de vontade do Estado ou de quem lhe faça as vezes, que pode criar, modificar ou extinguir direitos, com objetivo de satisfazer o interesse público, estando sujeito a regime jurídico público, sendo inferior e complementar à previsão legal e sendo sujeita a controle pelo Poder Judiciário no que tange à legalidade.

Para definir esse controle, evita-se que um poder do Estado interfira abusivamente em outro, afastando qualquer comprometimento ao princípio da separação dos poderes. É importante estabelecer algumas premissas quanto aos atos vinculados e discricionários e, consequentemente, o controle de mérito e controle de legalidade dos atos administrativos.

No ato administrativo vinculado, o administrador não tem liberdade, não tem juízo de valor. Preenchidos os requisitos legais, o ato terá que ser praticado, não restando para a autoridade outras alternativas. Na decisão vinculada, não haverá opção pessoal para o administrador. Ou ocorre a situação fática que enseja a prática do específico ato administrativo ou a realidade é distinta e não permite a edição do ato.

Publicidade

De outro lado, entre as prerrogativas da função administrativa do Estado, temos o poder discricionário. Poder que dá à administração pública a liberdade para atuar de acordo com juízo de conveniência e oportunidade, de modo que, o administrador possa optar pela alternativa que, em seu entendimento, preserva melhor o interesse público.

Poder discricionário é definido por José dos Santos Carvalho Filho1 como a prerrogativa concedida aos agentes administradores de elegerem, entre várias condutas possíveis, a que traduz maior conveniência e oportunidade para o interesse público. Registra, todavia, o autor que essa liberdade de escolha tem que se conformar com o fim colimado na lei, sob pena de “não ser atendido o objetivo público da ação administrativa.”

Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello2, a discricionariedade é a margem de “liberdade” que remanesce ao administrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um dentre pelo menos dois comportamentos cabíveis perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair objetivamente uma solução unívoca para a situação vertente. É evidente, todavia, que essa discricionariedade do administrador público está adstrita aos ditames da lei e, especialmente, das regras e princípios constitucionais, tais como, legalidade, razoabilidade, proporcionalidade, motivação, contraditório e ampla defesa, além de outros.

Hoje prevalece na doutrina e jurisprudência nacional que o mérito dos atos administrativos não pode ser revisto pelo poder judiciário, sob pena de violar o princípio da separação dos poderes. Entretanto, ao judiciário, no exercício de seu controle, cabe a análise de legalidade dos atos. Esse controle é hoje reconhecido em seu sentido amplo, o que abrange a análise de compatibilidade de um ato administrativo com as regras legais e com as normas constitucionais, inclusive seus princípios. Portanto, é assente em nosso país que o Poder Judiciário pode controlar e rever atos administrativos do poder público no que tange à legalidade, independentemente de serem eles vinculados ou discricionários.

Anteriormente, havia um entendimento pacífico de que o ato discricionário não poderia, de forma alguma, sofrer controle judicial. Porém, no atual cenário do ordenamento jurídico, reconhece-se a possibilidade de análise, pelo Judiciário, dos atos administrativos que não obedeçam a lei, bem como daqueles que ofendam princípios constitucionais, tais como: a moralidade, a eficiência, a razoabilidade, a proporcionalidade, além de outros.

Dessa forma, o Poder Judiciário poderá, por vias tortas, atingir a conveniência e a oportunidade do ato administrativo discricionário, mas tão-somente quando essa for incompatível com o ordenamento vigente, portanto, quando for ilegal.

Também revendo os atos administrativos no que tange aos princípios constitucionais, o Supremo Tribunal Federal também já fixou orientação, no tocante à possibilidade de tal controle pelo Poder Judiciário, quanto à escolha e à implementação das diversas políticas públicas. O assunto foi discutido em sede de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, ADPF nº 45.

Questões de concurso público

No que pertine ao controle judicial de questões de concursos, há algumas controvérsias. Porém, é imprescindível esclarecer alguns pontos. É fato que as bancas examinadoras têm discricionariedade, observando o conteúdo do edital, a natureza do cargo a ser exercido e os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, para construção das questões exigidas em cada etapa do concurso e de suas respectivas respostas.

É fato pacífico que os Tribunais Superiores têm entendido, em regra, não competir ao Poder Judiciário o exame dos critérios de formulação e correção de provas. Com efeito, em respeito ao princípio da separação de poderes consagrado na Constituição Federal, é da banca examinadora desses certames a responsabilidade pelo seu exame.

A administração pública tem liberdade, definida pela lei, para estabelecer as regras edilícias3 e critérios de avaliação na realização de concurso público. Trata-se de uma decisão discricionária da autoridade, observando a conveniência e a oportunidade para o interesse público4, que se exaure com sua publicação, estando a autoridade pública, a partir desse momento, vinculada a seus ditames. Com a publicação, o edital transforma-se em ato vinculado, é a lei do procedimento.

Vale lembrar que, como princípio específico do concurso público, tem-se a vinculação ao instrumento convocatório. O que for definido como regra, parâmetro, critério de avaliação, deve ser seguido à risca pela administração. Não pode o administrador exigir nem mais nem menos do que nele está previsto, sob pena de afronta aos princípios da isonomia e da legalidade. O edital é a lei interna do concurso.

Nessa linha, também é assente na jurisprudência pátria a possibilidade de o Poder Judiciário rever o concurso público, inclusive o conteúdo de prova, quando essa corresponder a uma análise de ilegalidade do ato praticado, caracterizado por uma violação à constituição, à lei ou ao edital.
O STJ decidiu, no RMS 27.566, que na avaliação de provas, cabe o controle da legalidade, inclusive, no tocante às regras previstas no edital do certame, à vinculação ao conteúdo programático previsto no instrumento convocatório, ao conhecimento prévio dos critérios que serão adotados pela comissão examinadora. É avaliado também a adequação de tais medidas à finalidade que almeja o procedimento seletivo.

Alguns certames têm contrariado nas correções os espelhos das provas, o que, com certeza, configura evidente ato de ilegalidade passível de anulação pelo Poder Judiciário. A correção de questões subjetivas é realizada através dos itens determinados em um espelho de prova.

O espelho deve conter tudo aquilo que a banca examinadora entende necessário para que se tenha uma resposta correta, inclusive com os pontos sobre os temas a serem abordados e o peso específico para os casos de citação de jurisprudência e de doutrina. E tal espelho deverá ser publicado logo após a realização da prova.

Desse modo, a todos os candidatos será atribuída, igualitariamente, pontuação em conformidade com a inclusão ou não dos pontos exigidos. É também observado o que foi estabelecido no edital quanto à adequada aplicação da língua portuguesa, à estética do texto (espaçamento, respeito às margens, paragrafação etc.) e à construção lógica das ideias, além da observância de outras regras.

O espelho representa uma grande evolução para os concursos públicos no Brasil. Garante a objetividade exigida no certame e a certeza de que todos os candidatos terão o mesmo tratamento, atendendo, assim, aos princípios da isonomia e da impessoalidade, com a certeza de que todos terão a mesma oportunidade. Garante ainda o conhecimento público, cumprindo a exigência de publicidade dos atos administrativos, além de reforçar a segurança jurídica dos atos administrativos.

Com a publicação dos parâmetros de correção da prova, a pontuação de cada item necessário à correta abordagem do tema segundo o juízo de valor da banca examinadora representa a motivação para correção e nota de cada candidato. O participante do concurso tem o direito de saber o que ele errou e porque aquela foi sua nota, o que se verifica de forma fácil através do espelho de prova, que representa o motivo do ato. Assim, considerando a teoria dos motivos determinantes, uma vez declarado o motivo do ato, esse deve ser cumprido. O administrador está a ele vinculado.

E mais, todos os candidatos do concurso têm direito ao mesmo espelho de prova e a mesma correção item a item, devendo submeter-se a mesma pontuação. Não pode nenhum ponto ser excluído ou ignorado pelo examinador. Tal comportamento da banca examinadora viola diversos princípios constitucionais, atenta contra a confiança do candidato na administração e compromete a segurança jurídica. Portanto, deve ser revisto pelo Poder Judiciário.

Em caso semelhante, o STJ já proferiu decisão:

“Mostra-se desarrazoado e abusivo a Administração exigir do candidato, em prova de concurso público, a apreciação de determinado tema para, posteriormente, sequer levá-lo em consideração para a atribuição da nota no momento da correção da prova. Tal proceder inquina o ato administrativo de irregularidade, pois atenta contra a confiança do candidato na administração, atuando sobre as expectativas legítimas das partes e a boa-fé objetiva, em flagrante ofensa ao princípio constitucional da moralidade administrativa. (RMS 27.566/CE, STJ – Quinta Turma, Rel. Ministro Jorge Mussi, Rel. p/ Acórdão Ministra Laurita Vaz, julgado em 17.11.2009, DJe 22.02.2010).”

Problemática ainda existe quanto à ausência de fundamentação no indeferimento dos recursos administrativos interpostos contra decisões das Bancas Examinadoras.

Qualifica-se o concurso público como instrumento de prevenção contra arbitrariedades. E em atenção à legitimidade do poder estatal, o aludido processo deve resguardar os direitos dos participantes e, simultaneamente, culminar na escolha de quem tem maiores atributos para a função pública a ser exercida, “sempre mediante critérios objetivos”.

Importante acrescentar que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a repercussão geral de tema 485, fixou a seguinte tese: “não compete ao Poder Judiciário substituir a banca examinadora para reexaminar o conteúdo das questões e os critérios de correção utilizados, salvo ocorrência de ilegalidade ou de inconstitucionalidade”.

Apesar da tese fixada, ainda há alguns questionamentos acerca do que se considera ilegalidade. O ministro Ricardo Lewandowski, analisando a reclamação 26.300, afirmou que “o Poder Judiciário vai além do controle de legalidade se interpreta questão de concurso público, substituindo o papel da banca examinadora”. O ministro defendeu que cabe ao Judiciário tão somente “o mero juízo de compatibilidade do conteúdo das questões do concurso com o previsto no edital”. Por outro lado, o STJ admite a possibilidade de intervenção do Judiciário não só quando o conteúdo da questão não está previsto no edital, mas também quando a questão contiver flagrante de ilegalidade (RMS 39.635/RJ).

Conclui-se, de tudo isso, que o candidato deve ficar bastante atento às normas editalícias e acompanhar a correção de sua prova com muita atenção.

 

Fernanda Marinela é professora de Direito Administrativo da UFG, mestranda pela Universidade Federal de Alagoas e especialista em Direito Público pela USP.

Conteúdo editado pela LFG, referência nacional em cursos preparatórios para concursos públicos e Exames da OAB, além de oferecer cursos de pós-graduação jurídica e MBA.

 


Comentários: