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Justiça de São Paulo se nega a adiar sessão e advogado com suspeita de Covid-19 participa internado

Um advogado portador de asma e outras comorbidades, com suspeita de infecção pelo coronavírus, se viu obrigado a participar diretamente do Hospital Santa Catarina, na região central de São Paulo (SP), onde estava internado, de uma audiência do processo em que está envolvido, depois que um magistrado da Justiça Militar de São Paulo negou o pedido para adiar a sessão. Para a OAB, a obrigação ofende a dignidade da pessoa (leia mais abaixo).

O criminalista Flávio Grossi atua em um caso que tornou réu um sargento da Polícia Militar. No dia 7 de março, o policial e outros colegas dispersaram integrantes de um bloco de carnaval com balas de borracha, bombas de gás e spray de pimenta na Barra Funda, Zona Oeste de São Paulo. Um vídeo do episódio mostra quando o PM ameaça as vítimas, já rendidas: “Não tenho cerimônia em quebrar a cara de mulher”.

A quarta-feira era o dia em que o advogado Flávio Grossi poderia confrontar o réu pela primeira vez com os seus questionamentos, pois na próxima etapa, o juiz já vai dar um parecer sobre o caso.

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Violência em SP: PM dispersa foliões com bombas e balas de borracha — Foto: Arquivo pessoal

Juiz se nega a adiar sessão

Na madrugada do último domingo (8), Grossi deu entrada no pronto-atendimento do Hospital Santa Catarina, na Avenida Paulista, com quadro de insuficiência respiratória. Ele é portador de asma severa e, após a realização de exames, a equipe médica constatou graves lesões em ambos pulmões, que poderiam indicar infecção pelo coronavírus.

O advogado foi imediatamente internado, sem previsão de alta, e passou a receber um tratamento com medicação intravenosa e uso de uso de cateter de oxigênio. Diretamente do apartamento 453, Grossi enviou um pedido para que o juiz adiasse a audiência, mas não foi atendido.

Ele recebeu um e-mail do assistente do juiz José Álvaro Machado Marques, da 4ª Auditoria da Justiça Militar do Estado de São Paulo, informando que a audiência estava mantida para o dia 11 de novembro porque “audiências virtuais demandam diversos esforços” e também para cumprir as “metas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça”.

O criminalista decidiu participar da audiência, mesmo hospitalizado, devido a importância daquela sessão para o caso. “Veja bem. O leigo pode entender que o advogado pede e o juiz manda, muito embora não exista uma hierarquia entre advogado, juiz e promotor. O juiz não manda, ele cumpre lei. O que eu fiz foi pedir que ele determinasse o cumprimento da lei, e não preciso implorar pelas minhas prerrogativas”, disse Flávio Grossi, que recebeu alta na quinta-feira (12), e se recupera em casa.

Ele explicou que a Resolução 314 de 2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que trata da realização de audiências virtuais durante a quarentena contra o coronavírus, diz que “os atos processuais que não puderem ser praticados por meio eletrônico, por absoluta impossibilidade prática apontada e devidamente justificada pelo interessado, deverão ser adiados”, e que o Código de Processo Civil, que subsidia o Processo Penal Militar também prevê a suspensão de prazos por motivos de força maior.

“Poxa, estou com lesão nos pulmões, usando catéter, e isso não é motivo de força maior? Me pergunto o que seria suficiente então para adiar uma audiência. Achei muita falta de respeito ele indeferir”, disse Grossi. “É extremamente comum que audiências sejam redesignadas, seja porque o advogado tem duas audiências no mesmo dia, seja porque ele tem uma aula para dar na universidade, seja por falecimento de um ente. É muito comum”, continuou.

Medicado e hospitalizado, advogado tenta acompanhar audiência — Foto: Tribunal de Justiça Militar/Divulgação

OAB se manifesta

A Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (OAB-SP), por meio de sua Comissão de Direitos e Prerrogativas emitiu uma nota pública e instaurou um procedimento para apurar a conduta do magistrado.

Em seguida, o Conselho Federal da OAB repudiou publicamente a atuação do juiz José Álvaro Machado Marques. “Mais do que violar os preceitos legais (processuais e prerrogativas), o írrito ato ofende a dignidade da pessoa humana. A virtualização dos atos processuais não pode retirar do magistrado a sensibilidade daquilo que é humano. Foi de extrema desumanidade a decisão de realizar uma audiência com o advogado respirando por aparelhos em um leito hospitalar”, diz a nota.

Fonte: Beto Ribeiro Repórter


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